terça-feira, 1 de maio de 2012

Parmêmides de Eleia



     O pensamento do eleata Parmênides está exposto num poema chamado Sobre a Natureza e sua Permanência. Esse poema em verso épico, do qual foram preservados fragmentos em citações de outros autores, é dividido em duas partes: o caminho da opinião (dóxa) e o caminho da verdade (alétheia).
     No caminho da opinião, ele trata de assuntos como a constituição e localização dos astros, diversos fenómenos meteorológicos e geográficos, e a origem do homem; assemelha-se às especulações físicas dos pensadores anteriores, como os milésios e os pitagóricos. No caminho da verdade ele expõe vários argumentos que demonstram os atributos do “ser”, isso é uma reflexão completamente nova que modifica radicalmente o curso da filosofía antiga.
     Parmênidies inicia o poema descrevendo de forma figurativa que foi transportado por uma carruagem de éguas, capazes de levá-lo para onde o seu coração pedisse, e assim ele foi até a morada dos deuses os quais passaram a instruí-lo. Possivelmente a carruagem simbolizaria a inteligência, as éguas a vontade, e a morada dos deuses a clareza da mente.

(Frag. 1) (Sexto, VIII, 111; Simplício, Do céu., 557,20)
(1,1) "As éguas, que me conduziam, quanto meu coração desejava, levaram-me pelo famoso caminho das deusas, que conduz o sábio através de todas as cidades. Por ele era eu conduzido; por ele me levavam as mui destras éguas (1, 2), puxando o carro, e as moças indicavam o caminho"

    Clemente de Alexandria e Plotino, alguns dos compiladores do poema, mostraram que Parmênides declarou que “o ser é o pensar” (Fragmento 03 – Clemente de Alexandria Strômata VI, 23; Plotino, Enéada V, 1 , 8). Com isso Parmênides queria dizer que a estrutura dos seres reais e a estrutura do pensamento seriam exatamente a mesma, que as leis básicas que regem os seres reais e as leis básicas que regem o pensamento são as mesmas. Essas leis seguem a lógica, e uma contradição de lógica, se é ininteligível, não pode existir no mundo do pensamento e nem poderia ser concretizada no mundo real. Se fosse, seria o caso de um absurdo, ou de uma ilusão. Portanto tudo o que existe teria que ser inteligível. Isso não é apenas uma constatação, mas um princípio que parece manifestamente ser perceptível a todos os homens. A estrutura do mundo real é obrigada a ter uma característica que pertence de modo próprio ao mundo da inteligência. O mundo da inteligência também deveria ser de alguma maneira anterior, não no tempo, mas em natureza, ao mundo real. O mundo da inteligência ou das idéias seria um mundo mais elementar do que o mundo real, ou mais fundamental do que o mundo real.
     Para algo entrar na existência tem que satisfazer primeiro certos requisitos que são próprios do mundo da razão, isto é, a inteligibilidade ou “ser concebível”. Se a estrutura básica do pensamento é a mesma estrutura básica do ser, isto significa que investigando a estrutura básica do pensamento podemos investigar a estrutura básica do ser.
     Da identidade entre o ser e o pensar Parmênides derivou o princípio citado por Proclo no Comentário ao Timeu. Para Parmênides tudo o que há é “o que é”, isto é, o ser:

(Fragmento 2) (Proclo, Comentário ao Timeu I, 345, l8; Simplício, Física 1l6, 25)
"Pois bem, eu te quero instruir sobre quais os únicos caminhos da investigação que são pensáveis: primeiro o que é, é. E o não ser, não é. Esta é a verdade da convicção” (Frag 2,1)
”O outro, o não ser é e o ser necessariamente não é; esta vereda, eu te digo, é totalmente impraticável, pois não conhecerias o não-ente, nem o expressarias” (Frag 2,5)

     Parmênides vai então afirmar toda a unidade e imobilidade do ser, opondo-se a Heráclito de Éfeso. A partir da idéia de “o que é, é”, ele procura ver aquilo que está por detrás das aparências e das transformações. Ele explicava o vir-a-ser (transformações), que a todo instante vemos ocorrer no mundo, como sendo apenas uma mistura participativa do ser e do não-ser. “Para ele nosso mundo dividia-se em duas esferas: aquela das qualidades positivas (luz, quente, ativo, masculino, fogo, vida) e aquela das qualidade negativas (escuridão, frio, passivo, feminino, terra, morte). A esfera negativa era apenas uma negação da esfera positiva, isto é, a esfera negativa não continha as propriedades que existiam na esfera positiva. Ao invés das expressões “positiva” e “negativa”, Parmênides usa os termos metafísicos de “ser” e “não-ser”. O não-ser era apenas uma negação do ser.”  (Parmênides de Eleia – Wikipedia)
     Os desejos eram os fatores que impeliam os elementos de qualidades opostas a se unirem, e o resultado disso é o vir-a-ser. Quando o desejo está satisfeito, o ódio e o conflito interno impulsionam novamente o ser e o não-ser à separação. Parmênides chega então à conclusão de que toda mudança é ilusória. Só o que existe realmente é o ser e o não-ser, mas o não-ser não é, portanto não pode ser. E vir-a-ser é apenas uma ilusão sensível. Isto quer dizer que todas as percepções de nossos sentidos apenas criam ilusões, nas quais temos a tendência de pensar que o não-ser é, e que o vir-a-ser tem um ser.
     Algum ser teria que existir necessariamente. Porque qualquer coisa que exista é ou ser ou é não-ser. Se nada existisse, isto seria o mesmo que dizer que o ser não existe, ou que o ser não é, o que seria um absurdo. Portanto, algum ser existe necessariamente. Esse ser que existe necessariamente também tem que ser único. Porque se ele não fosse único e houvesse um outro, o outro deveria ser diferente do primeiro para que pudesse ser distinguido do primeiro. Se não houvesse diferença nenhuma entre eles, ambos seriam idênticos. Mas se o primeiro é ser, a diferença que distinguiria o segundo do primeiro teria que ser um não-ser, porque o que difere do ser é não-ser. Portanto, se existisse outro ser além do primeiro e único ser, deveria haver uma diferença do segundo em relação ao primeiro. O segundo deveria diferir do primeiro e, como só o não-ser difere do ser, o segundo seria o não-ser do primeiro. Mas se o primeiro é ser, o segundo deveria ser não-ser. A conclusão então que se imporia é que se existissem dois seres o não-ser existiria e, como isso não é possível por ser contraditório, só pode existir um único ser.

"Nem é mais aqui, pois impediria fosse contínuo; nem é menos ali, pois tudo está pleno de ente. Todo ele é contínuo, pois o ente toca o ente" (Frag. 8, 24-25)

     Este ser que existe e é único tem que ser também eterno. Porque se ele não fosse eterno cessaria de ser e então o não-ser seria e o ser não seria, o que também é contraditório.

"Assim, está extinto o nascimento e inacreditável a destruição" (Frag. 8, 20)

     Além de ser eterno, o único ser que existe também não pode mudar ou alterar-se, conforme já visto. O motivo é que se este único ser que existe é ser, se este ser mudar ele só poderá mudar para o não-ser. Mas enquanto ainda está se processando a mudança, o ser ainda não é aquilo para o qual se dirige a mudança, ou seja, ele ainda é ser. Mas, ao mesmo tempo, se a mudança já se iniciou, o ser já deixou de ser o que era e, se no início era ser, agora só pode ser o não-ser. Conclui-se daí que se fosse possível existir o fenômeno da mudança (ou o vir-a-ser), então alguma coisa seria ao mesmo tempo ser e não-ser, o que também é contraditório.

"Não é tão pouco divisível, pois é todo homogêneo. Nem é mais aqui, pois impediria fosse contínuo, pois o ente toda o ente. É imóvel entre o vínculo de poderosas cadeias; é sem começo e nem fim, pois o nascimento e a destruição foram afastados mui longe, rechaçados pela verdadeira crença. Ele mesmo permanece no mesmo e descansa sobre si mesmo, e assim residirá imutável ali mesmo. A poderosa necessidade o mantém nas cadeias envolventes, cercando-o inteiramente. Por isso não é permitido ao ente ser incompleto (indefinido), pois não é indigente, e se fosse, de tudo careceria" (Frag. 8,23,33)

     A lógica que levou Parmênides a concluir que no mundo só havia um ser, que existe necessariamente e que não pode deixar de existir, e que é único, eterno e imutável, não trata mais de objetos que pertencem ao mundo dos objetos sensíveis. Essa lógica refere-se ao mundo dos seres considerados em sua estrutura simplesmente enquanto seres, desconsideradas quaisquer qualidades sensíveis. Sua lógica está no domínio da primeira estrutura do ser enquanto ser, um domínio onde apenas a inteligência abstrata pode apreender alguma coisa. Parmênides estabeleceu a definição de “ser” sobre bases puramente intelectuais e lógicas.
Parmênides pode ser considerado o pai da ontologia e da metafísica na história da Filosofia, pois a noção de Ser, tal como posteriormente vista na tradição, foi por ele colocada pela primeira vez.

O “caminho da verdade” de Parmênides, assim tão enigmaticamente introduzido, marca uma época na filosofia. É o texto fundador de uma nova disciplina: a ontologia, ou metafísica, a ciência do ser. (Kenny, Anthony)

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