sábado, 23 de junho de 2012

Sorte e azar se observa pela experiência

Quanto ao empirismo, pela experiencia também se percebe a sorte e o azar, e o fato de alguns indivíduos terem mais sorte ou azar do que outros indivíduos, ou que tenham mais sorte ou azar do que outros indivíduos em determinadas áreas, ou também que os indivíduos tenham certas características de personalidade astrológica; tudo se observa pela experiência. 

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O "filosofar"


A origem da filosofia difere da origem do filosofar. Enquanto a primeira busca raízes históricas que acabam se perdendo nas brumas da mitologia, a segunda procura respostas no sujeito e na sua relação com o mundo sensível.
          A resposta para as perguntas da origem do filosofar pode ser buscada nos primórdios, quando Platão dizia que a “admiração” é o impulso inicial de todo o filosofar. Mais adiante, no “mito da caverna” ele dá sinais do que poderia vir depois da admiração. Segundo Platão, dor e risco são obstáculos que precisam ser vencidos para os que pretendem sair da caverna.
          A admiração é o comportamento desencadeante do filosofar, e nela se verifica um sentimento de união ao real. É um gesto de confiança. Mas esse sentimento de união não significa a fusão entre o que admira com o que é admirado, pois o que caracteriza a admiração é o reconhecimento do outro como o outro. Com relação à analogia com o mito da caverna de Platão, a admiração é uma fase pré-filosófica, o homem ainda está nas trevas, apesar da consciência estar tendida para fora de si, orientada para as sombras. Essa atitude admirativa por si só não pode suscitar a atividade filosófica.
          Para a filosofia é preciso um espírito crítico e problematização, e o grande obstáculo que impede o sentido da problematização é o dogmatismo. O dogmático aceita o mundo como é dado e assim sente-se seguro, se sobrevém uma atitude de dúvida, é apenas com relação a um aspecto da realidade e não com o todo, como faz o cientista, que nunca põe em dúvida a totalidade do real, trabalha com as sombras. “Tudo o que de excepcional aconteça, será como destaque sobre o fundo inabalável do mundo desde sempre dado...” (BORNHEIM, Gerd A. – Introdução ao Filosofar – pág 57). Husserl chama essa compreensão do mundo de “tese geral” que tem tríplice dimensão: gnosiológica, ontológica e axiológica. Em suma elas afirmam que o mundo “não é uma mentira” e que ele “vale por si mesmo”.
          Mas quando o homem por algum motivo, movido por um espírito crítico, julgar que a realidade e o mundo como um todo perderam o sentido, ele passa a abandonar a postura dogmática. Ele passa a questionar os fundamentos da teoria geral, as sombras da caverna, e a si mesmo, sente a “náusea”, a experiência negativa. O homem começa a sair da caverna, sente a dor da luz. “Quando um deles é libertado e compelido repentinamente a parar de pé e voltar-se e caminhar e olhar para a luz, sofrerá penas agudas.”(Platão – República, VII, 515)
          Ao enfrentar a luz do sol o homem sofre, tem um sentimento oposto ao do prazer da admiração. Com medo de ficar cego, chega a negar a luz. Há o risco de se cair num egocentrismo mórbido, ou niilismo. Mas a dor e o risco são pressupostos do filosofar.
          Para Hegel a ideia de dor sentida pelo homem que vislumbra a luz vem a ser a segunda peça de um processo dialético. A experiência negativa contrapõe-se à admiração, como se a admiração (afirmação) fosse a tese, e a negação fosse a antítese. Da síntese dessas duas surge o verdadeiro filosofar. “Isso implica em dizer que o processo ascensional da consciência se realiza através da experiência da negação que deve ser constantemente superada; de negação em negação o homem atinge a sabedoria.” (BORNHEIM, Gerd A. – Introdução ao Filosofar, pág 77)

sábado, 16 de junho de 2012

Mais lógica de proposições para refrescar



1) p|-~~p
1 (1) p A
2 (2) ~p A
1 (3) ~~p 1,2RAA(2)

2) ~~p|-p
1 (1) ~~p A
2 (2) ~p A
1 (3) p 1,2RAA(2)

3) p->q,~q|-~p
1 (1) p->q A
2 (2) ~q A
3 (3) p A
1,3 (4) q 1,3->E
1,2 (5) ~p 2,4RAA(3)

4) p->~q,q|-~p
1 (1) p->~q A
2 (2) q A
3 (3) p A
1,3 (4) ~q 1,3->E
1,2 (5) ~p 2,4RAA(3)

5) ~p->q,~q|-p
1 (1) ~p->q A
2 (2) ~q A
3 (3) ~p A
1,3 (4) q 1,3->E
1,2 (5) p 2,4RAA(3)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Heráclito de Éfeso, o movimento sofista e os céticos na antiguidade

Heráclito de Éfeso foi um filósofo jônico de escrita densa e concisa que viveu de 540 a 475 ac. Restaram poucos fragmentos da sua obra cuja síntese é "pantha rei" – tudo flui. Em oposição a Parmênides de Eléia, Heráclito declara que o ser é o devir. Afirma que o mundo é o resultado da tensão gerada entre os contrários, que cada coisa "é e não é" ao mesmo tempo, por isso pode ser considerado o pai da dialética e um dos avós do relativismo. Coexistente ao devir ele também declarou que havia uma lei universal "fixa" a qual chamou "logos", aquilo que possibilita a mutação, a lei da interdependência dos contrários, que tem o fogo por metáfora, e a mutação por constância. Ao contrário de Sócrates que alegava não saber nada, Heráclito dizia que sabia tudo, e que aprendera tudo sozinho observando a si mesmo.
Mais ou menos uma centena de anos depois da morte supostamente trágica desse filósofo considerado obscuro, arrogante e melancólico, surge em Atenas o movimento sofista que desdenhava de crenças e valores das gerações anteriores, principalmente da mitologia, mas que saboreava o frutos da idéia heraclitiana do ser e do não-ser concomitantes.
Não restou nenhum escrito de nenhum dos sofistas, o que sabemos deles vêm majoritariamente da obra literária de Platão, que os criticou duramente, especialmente por seus ensinos cujo carro-chefe era a retórica. Destacam-se entre os sofistas antigos Protágoras e Górgias que não foram considerados filósofos e sim inimigos da filosofia por seu suposto relativismo utilitarista.
Na esteira do relativismo vieram logo depois os céticos, cujo maior expoente foi Pirro de Élis (360-270 ac.), seguido mais tarde por Sexto Empírico (séc II dc.). Pirro questiona se qualquer conhecimento ou justificação é possível face à ilusão dos sentidos. Para os céticos, devido à mudança contínua e a incerteza natural que envolve a natureza do mundo e do homem, nenhuma posição pode ser afirmada sem que também seja possível encontrar provas de proposição contrária, exatamente como pensam os sofistas. Os céticos poderiam refutar todas as asserções, mas da mesma forma suas próprias asserções poderiam também ser refutadas. Por isso decidiram pela suspensão do juízo quanto à realidade não evidente e chamaram isso de "epoché".
Sofistas e céticos tem em comum a visão relativista da verdade e da realidade. Apesar da noção do relativo fazer parte do senso comum, aquilo que ficou de mais claro nos escritos de Heráclito, o fluir, trouxe luz e demarcou a questão da incapacidade dos sentidos de captar a realidade do mundo, tornando-se um marco na história do pensamento. Enquanto se supõe que sofistas teriam se utilizado do relativismo para proveito próprio, os céticos preferiram silenciar.

Heráclito escreveu textos por vezes paradoxais, a linha que separa o sujeito do objeto é indefinida, ele não deixa claro se está discorrendo acerca de substâncias, qualidades ou atividades. Sua visão de mundo era a da constante mudança e parece que ele fez questão de expressar-se através de uma linguagem tão fluída como um rio, "onde não se entra duas vezes".
Uma história aprócrifa antiga diz que Eurípides tinha dado a Sócrates uma cópia do livro de Heráclito e este lhe respondeu: "Aquilo que consigo compreender é esplêndido; e creio que o que não compreendo também é. Seria necessário um mergulhador de Délio para alcançar-lhe as profundezas".
Desde logos sendo sempre os homens se tornam descompassados quer antes de ouvir quer tão logo tenham ouvido; pois, tornando-se todas (as coisas) segundo esse logos, a inexperientes se assemelham embora experimentando-se em palavras e ações tais quais eu discorro segundo (a) natureza distinguindo cada (coisa) e explicando como se comporta. Aos outros homens escapa quando fazem despertos, tal como esquecem quando fazem dormindo. (Heráclito de Éfeso, Fragmento – Sexto Empírico, Contra os Matemáticos, VII, 132.)
Aristóteles também se manifestou a respeito da dificuldade de se penetrar no pensamento de Heráclito:
Convém absolutamente que o que se escreve seja fácil de ler e compreender, o que é a mesma coisa. É o que se dá quando há muitas conjunções e não se dá quando há poucas ou quando não é fácil pontuar como nos escritos de Heráclito. Pois pontuar os escritos de Heráclito é um trabalho, por ser incerto se tal pontuação se liga a uma palavra anterior ou posterior como no começo do seu escrito: "Desde logos... tenham ouvido". Pois é incerto saber pela pontuação a que se liga o "aeí" sempre. (Aristóteles, Retórica,III,5.1407 b 11 (DK 22 A 4)
Filósofos atuais ainda procuram entender os escritos de Heráclito. Na modernidade Nietzsche e Schopenhauer o glorificaram. Heidegger debruçou-se sobre a interpretação do "logos" heraclitiano num caminho que chamou "longo, mas necessário ao nosso pensar", e "que ainda deve ser pensado"; no final de um penoso processo de investigação e linguística, pensamento e análise, concluiu que "logos" é o "pousar que recolhe". Hegel nos fala que Heráclito concebe o próprio absoluto como processo, como a própria dialética. Segundo a interpretação de Hegel acerca dos textos de Sexto Empírico sobre o pensamento de Heráclito, “somente a consciência como consciência do universal é a consciência da verdade, mas a consciência da particularidade é ilusão, o engano; consistiria esta última na particularização do pensamento, da separação do universal.”
Por isso é preciso seguir o-que-é-bom, isso é, o comum; pois o comum é o que é bom. Mas, o logos sendo o que-é-com, vivem os homens como se tivessem uma inteligência particular. (Heráclito de Éfeso, Fragmento - Sexto Empírico, Contra os Matemáticos, VII, 133.)
 Heráclito desprezava os homens comuns, que não teriam natural acesso ao Logos universal: “Um para mim vale mil, se for melhor.” (Galeno, De Dignoscendis Pulsibus, VIII,733.)
Ele viveu na prática a sua filosofia, como era costume na antiguidade. Durante toda a sua vida sempre demonstrou grande desprezo pelo povo e pelos princípios democráticos. Apesar de ser membro de uma família aristocrática, manteve-se distante da política, recusando honras, cargos e riquezas. Escrevia em finas lâminas de ouro e as depositava no templo de Artemis, alegando que seus escritos eram para a humanidade do futuro. Decepcionou-se com seus conterrâneos, tornou-se ermitão e estabeleceu-se nas montanhas alimentando-se de ervas e raízes, vindo a falecer, dizem as lendas, devorado por cães em praça pública.
Pela dificuldade de interpretação do seu pensamento e escrita, apenas o tema mais claro e gritante foi posteriormente difundido às massas: o "phanta rei". Diante do caos, do devir e da incerteza, o indivíduo então é colocado numa posição de destaque a ponto de se dizer mais tarde que "o homem é a medida de todas as coisas" (Protágoras).
Heráclito foi classificado como filósofo pré-socrático, período em que todos os pensadores se detinham nas determinações sensórias buscando o "arché", o princípio gerador da realidade, período em que se escreviam livros quase todos intitulados "sobre a natureza". Após as grandes vitórias de Atenas sobre Esparta e o império persa, houve um triunfo político da democracia com Péricles no poder. Em tal regime de governo, a arte da persuasão tinha grande valor de mercado. Quando as portas de Atenas abriram-se, a cidade foi invadida por professores de retórica provenientes de várias cidades vizinhas, os chamados sofistas. Eis como Platão definiu o sofista no dialogo homônimo:
Em primeiro lugar, o sofista era um caçador remunerado de jovens ricos [...] em segundo lugar, uma espécie de importador de conhecimentos que interessam a alma [...] e em terceiro lugar, não se nos mostrou como um biscateiro destas mesmas coisas?[...] e em quarto lugar, um mercador dos próprios produtos científicos [...] e em quinto era uma espécie de atleta da agonística aplicada aos discursos, como quem tivesse reservado para si a arte de disputar [...] depois, em sexto lugar, era algo de controvertido; todavia convimos admitir que ele seja uma espécie de purificador espiritual das opiniões que impedem a alma de saber. (Platão - Crátilo, 428-440)
Segundo os filósofos da época, os sofistas questionavam todas as coisas com uma erística que tinha por objetivo final apenas a confusão do interlocutor; sua retórica estava preocupada apenas com as aparências e servia tanto à causa do falso como a do verdadeiro.
Pelo lado positivo, a validade filosófica do princípio da subjetividade fora afirmada pela primeira vez. Agora os pensadores se ocupam não mais com a ciência natural e sim com homens - sobretudo homens em sociedade, com a teoria do conhecimento, a psicologia e a ética, dando início ao período antropológico da filosofia grega. O homem passa a sujeito criador e não um ser passivo simples objeto da criação natural ou divina. Heráclito tinha descoberto que os sentidos não nos mostram a verdadeira essência das coisas, o determinismo cosmológico dá lugar ao antropocentrismo.
Os métodos dos sofistas eram empíricos, eles dedicavam-se a um conhecimento subjetivo expresso em termos claros e precisos, para propósitos práticos, que tinha por objetivo assegurar o domínio sobre os homens e a vida, ao passo que o típico filósofo pré-socrático se ocupava com o conhecimento pelo próprio conhecimento numa linguagem poética ou obscura, como a de Heráclito.
Sem dúvida a atitude do movimento sofista provocou uma verdadeira revolução nos costumes sociais e políticos de Atenas e além do mais trouxe o homem com o principal sujeito e objeto da verdade. As questões físico-naturalistas, antes predominantes, cederam lugar às problematizações humanas: morais, psicológicas e políticas. A opinião do homem sobre o mundo e a respeito da cidade, suas concepções e convenções, sua liberdade de consciência, tudo isso era mais importante que qualquer outra questão. O movimento sofista desenvolveu o individualismo e o relativismo quer no campo moral, político ou gnosiológico. (SOUZA FILHO, Oscar d’Alva e. Tetralogia do direito natural: ensaios de filosofia acerca das principais justificações ideológicas do direito positivo ocidental. Fortaleza: ABC Editora, 2008. p. 95.)
Heráclito havia dito que nada é fixo a não ser a razão e a lei do universo, e que ela mesma se confunde com o devir; com o mesmo direito poderia dizer que a lei do mundo tem que ser tão variável como o nosso saber. Todas as coisas nascem das impressões exteriores sobre a alma. Assim ele conquistou inúmeros adeptos entre os sofistas.
Parmênides não teve seguidores entre os sofistas quando negou a realidade do mundo fenomenal e ao mesmo tempo estabeleceu que o ser é uno e imutável. Para os sofistas a própria realidade era o mundo fenomenal, o único objeto possível de cognição, mesmo que fosse sujeito à contínua mudança. Protágoras tinha descrito o mundo físico como em estado de fluxo. Platão, segundo Sexto Empírico, equipara Protágoras a Eutidemo (um rio) e considerava que “ambos defendiam teorias que excluem a possibilidade de que as coisas tenham algum ser fixo próprio; em vez disso pretende que as coisas sejam arrastadas "para cima e para baixo" ao aparecer para nós” (Crat. 386c-e). “A rota para cima e para baixo é uma e a mesma(Heráclito - fragmentos Hipólito, Refutação, XI, 10.)
Para Protágoras o mundo da experiência é caracterizado pelo fato de que todas as coisas nele, ou a maioria delas, ao mesmo tempo "são e não são". Portanto a linguagem também deveria exibir a mesma estrutura. Isso ela deveria fazer dando expressão a dois "logos" opostos concernentes a todas as coisas. Mas o que vem a ser "logos"? Palavras, coisas e pensamentos, o que há de comum eles? Quando separamos essas três coisas deve haver algum tipo de correspondência entre elas como requisito para a verdade e conhecimento, assim nos deparamos com o logos. O logos tem raiz nessas três coisas: o princípio da coisa em si, o que nós entendemos sobre o que ela é (pensamento), e o que dizemos que ela é (palavra).
Com relação ao logos e à tensão gerada entre os contrários, Diógenes Laércio afirma que Protágoras foi o primeiro a dizer que há "dois "logoi" (argumentos) concernentes a todas as coisas, sendo ambos opostos um ao outro”. Entre os “logoi” opostos, um “logos” na estrutura das coisas era superior, mais correto que o outro, e este se chama "orthos logos". A arte de fazer um "logos" superior a outro estava especialmente associada a Protágoras.
Por meio desses "logoi" é que Protágoras passou a propor argumentos envolvendo uma série de estágios, e foi o primeiro a fazer esses tipos de argumentações. Assim ele poderia tomar qualquer partido de uma questão e debatê-la com igual sucesso de convencimento de veracidade. Não importava o argumento justo e verdadeiro e sim o mais forte. Daí surgiu a de erística e a sofísica.
Aristóteles chamou de sofística "a sabedoria (sapientia) aparente, mas não real". Ele e Platão acusaram os sofistas de fazer erística, que é a arte ou técnica da disputa argumentativa no debate filosófico, arte empregada com o objetivo de vencer uma discussão e não necessariamente de descobrir a verdade de uma questão. A erística é uma manipulação do discurso que transgride as regras da lógica opondo-se à dialética. Para compreender a verdadeira natureza do movimento sofista é preciso saber a distinção mais exata possível entre dialética, erística e antilógica, e também saber definir esta última, que é comumente confundida com a penúltima. Antilógica consiste basicamente em partir-se de um dos logos e depois adotar-se a posição do logos contrário ou contraditório, de maneira que o oponente terá de aceitar ambos os logoi ou pelo menos abandonar a sua primeira posição. A antilógica difere da erística e foi considerada como o primeiro passo que conduz à dialética. A visão de mundo de Platão envolvia a antilógica; ele mesmo, quando amadureceu a sua filosofia, rendeu-se a muitos aspectos do devir de Heráclito, incorporando-o aquelas idéias ao mundo “sensível”; mas Platão tinha consciência de que a antilógica crônica levava à misantropia e não aconselhava seu uso na filosofia, muito menos o uso da erística.
E, acima de tudo, os que passam o tempo tratando com antinomias (logoi antilogikoi) acabam, como vocês bem sabem, pensando que se tornaram os mais sábios dos homens e que são os únicos que chegam a compreender que não há nada sólido ou seguro, seja em fatos ou em argumentos, mas que todas as coisas que existem são simplesmente levadas para cima e para baixo como o fluxo Euripo (rio), e nunca param em um ponto qualquer por qualquer duração de tempo. (Platão – Fédon 89d1-90c7)
Quando Platão fala que os sofistas não estavam preocupados com a verdade podemos supor que eles não estavam preocupados com a verdade dele (de Platão), e sim com a verdade como eles (os sofistas) a viam. Se fosse o caso de estarem agindo de boa-fé e apesar dos pesares estarem apenas vivendo a sua verdade conforme a sua filosofia, poderiam ser considerados verdadeiros filósofos, e dos grandes. Caso contrário, se estivessem agindo apenas motivados pelo egoísmo ganancioso sem um comprometimento com a sua própria verdade, se houvesse verdade, seriam meros oportunistas cultos ostentando belas retóricas utilitaristas. Historicamente essa última definição é a imagem e impressão que nos foi deixada pelos filósofos que os seguiram.
Protágoras dizia que o vento é frio para uma pessoa que sente frio e não é frio para outra, conforme a sua célebre frase que tem o mesmo estilo das frases de Heráclito: "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, quanto a como são, e das coisas que não são, quanto a como não são." A interpretação dessa famosa sentença tem sido tema de discussão desde os tempos de Platão até nossos dias.
Ele sustenta a tese de que as coisas existem nelas mesmo, independente da percepção que eu tenha. Também diz que suas características existem para meus sentidos somente, ainda que eu tenha a sensação de algo relativo àquela coisa, e que determinada característica exista para um outro que não eu, e para ele somente. Eu percebo uma, você percebe outra coisa. Maria José Vaz Pinto nos fala que “Protágoras sustenta duas teses a respeito da matéria: esta está submetida a um fluxo contínuo e nela subsistem “as formas das coisas aparentes”, de maneira que a matéria tem a capacidade, em si própria, de “ser tudo o que ela parece ser a qualquer um”. As razões de ser dos fenômenos radicam, pois, nessa matéria que contém em si mesma a capacidade de ser tudo o que aparece. Para Sexto, o dogmatismo de Protágoras configura-se como uma modalidade de relativismo, enquanto o sofista admite que os seres humanos captam as diversas coisas, em diferentes momentos, segundo as suas diferentes disposições, e defende como verdadeiro o que aparece a cada um como tal.”
Ele (Protágoras) diz que os “logoi” de todas as aparências subsistem na matéria, de modo que a matéria, na medida em que depende de si mesma, é capaz de ser todas essas coisas que aparecem a todos. E os homens, diz ele, apreendem coisas diferentes em tempos diferentes devido às suas diferentes disposições; pois aquele que está num estado natural apreende aquelas coisas subsistentes na matéria que são aptas a aparecer àqueles em estado natural, e os que estão em um estado não-natural apreendem as coisa que podem aparecer àqueles que estão em um estado não-natural. Além disso, a mesma explicação se aplica às variações devido à idade, e aos estados de sono ou de acordado, e cada um dos diversos tipos de situação. Portanto, segundo ele, o Homem se torna o critério de todas as coisas que são, pois todas as coisas que aparecem aos homens também são, e as coisas que aparecem a homem nenhum também são sem ser. (Sexto Empírico – DK80A14)
Protágoras defende verdades múltiplas, correspondentes ao modo de apreender as coisas pelos diferentes sujeitos, e reabilita, assim, a validade das aparências particulares e contingentes, em conformidade com o princípio segundo o qual o homem se institui como medida de todas as coisas. Diz que “os logoi de todas as aparências subsistem na matéria, de modo que a matéria, na medida em que depende de si mesma, é capaz de ser todas essas coisas que aparecem a todos”. Mas o que é matéria? Desde a antiguidade, Demócrito de Abdera e os atomistas posteriores demonstravam ceticismo quanto à possibilidade conhecimento “da natureza”.  Mas a física moderna tem feito descobertas impressionantes sobre a estrutura da matéria: a teoria da incerteza de Heisenberg, a física quântica, a teoria das supercordas, as últimas descobertas da cosmologia contemporânea indicam a possibilidade da existência de múltiplas dimensões, universos paralelos, e multiversos, cuja base teórica não se distancia tanto dos pensamentos de Protágoras e Heráclito.
Um testemunho bastante explícito da simpatia pelo pensamento de Heráclito e oposição ao pensamento de Parmênides no pensamento sofista encontra-se num tratado de Gorgias intitulado, segundo Sexto Empírico, "Sobre Aquilo que não é, ou sobre a natureza". Nesse tratado Gorgias apresenta de forma extremada o seu argumento em três estágios:
1)Nada é
2)Se é, não pode ser reconhecido pelos seres humanos
3)E se é, e é cogniscível, não pode ser indicado e tornado significativo para outras pessoas.
Antes de prosseguirmos, vamos trazer um fragmento de Heráclito.
Estão iludidos os homens quanto ao conhecimento das coisas visíveis, mais ou menos como Homero, que foi mais sábio que todos os helenos. Pois enganam-no meninos que matando piolhos lhe disseram: o que vimos e pegamos é o que largamos, e o que não vimos nem pegamos é o que trazemos conosco. (Hipólito, Refutação IX, 9.)
Nada é, segundo Górgias. Para ele o nada não pode ser apreendido nem reconhecido pelos homens, está além do ser onde o homem está contido sem poder deixar de ser para alcançar o nada pelo menos enquanto ser. No segundo estágio do tratado de Górgias, o nada não pode ser reconhecido (pensado) - pelos homens. Se formos interpretar o nada de Gorgias como o não-ser, esse pensamento entrará em conflito com o pensamento de Parmênides nos três estágios. Primeiro porque Parmênides diz que o não-ser não é. Segundo porque Parmênides diz que o ser é o pensar. Terceiro, se pode ser pensado pode ser falado por extensão do “logos”. Interpretado assim o nada como o nada em si, ou seja, o não-ser, o nada então será, coexistindo com o ser que é. Segundo Gorgias o não-ser seria inacessível ao ser e ao pensamento dos seres, mas mesmo assim existiria.
A descrição desses estágios assemelha-se a certos aspectos de pensamentos taoistas de Lao-Tzé e “nagualistas” do povo nahua/tolteca meso-americano, recentemente trazido à tona pelo antropólogo Carlos Castaneda.

O Tao que se pode discorrer
não é o eterno Tao
o nome que se pode nomear
não é o eterno nome
(Lao Tzé, Tao Té King , vol 1)

— Se o tonal é tudo o que sabemos sobre nós e nosso mundo, então o que é o nagual?
— O nagual é a parte de nós com a qual não lidamos de todo.
— Como?
— O nagual é a parte de nós para a qual não existe descrição — nem palavras, nem nomes, nem sensações, nem conhecimento.
— Isso é uma contradição, Dom Juan. Em minha opinião, se não pode ser sentido nem descrito nem mencionado, não pode existir.
— Só é uma contradição em sua opinião. Já lhe avisei, não se acabe procurando compreender isso.
(CASTANEDA, Carlos – Porta para o Infinito, Ed. Nova Era, pág 119)

Dessa forma, seria então possível conhecer a verdade? O ceticismo, movimento filosófico iniciado por Pirro de Élis (360-270 ac.) não quer saber. Sustentava a impossibilidade de chegar-se a qualquer juízo universal indiscutível.  Sabemos alguma coisa sobre a filosofia de Pirro por meio de seus discípulos Tímon e Fliunte, de quem subsistiram alguns fragmentos, já que o próprio Pirro nada teria escrito. Segundo ele, devido à incerteza universal que envolve a natureza do universo, nenhuma proposição poderia ser afirmada sem que também fosse possível encontrar provas da proposição contrária. Seria impossível de se conhecer a verdade, restava a catalepsia, a dúvida, a “epoché”. Diferentemente da epoché fenomenológica, a epoché cética é destrutiva, cujo desfecho é a afasia, o silêncio. O ceticismo crônico é ocioso no que se refere à ação humana e age como uma ferrugem que corrói a filosofia.
De acordo com os céticos, todo conhecimento é relativo, porque tudo muda - "pantha rei". Assim os defensores do ceticismo acreditam ser impossível estabelecer o que é real e irreal ou correto e incorreto, na mesma linha dos sofistas. Basicamente o que os diferencia é sua atitude perante o relativo: retórica de um lado e silêncio de outro. Seriam eles ecléticos? Por alto, conforme a impressão que os filósofos antigos nos deixaram, poderíamos chamar um de advogado do diabo e outro de diplomata acataléptico, não de ecléticos. O ecletismo é um sistema afim, embora filosoficamente inferior ao ceticismo Também o ecletismo, como o ceticismo, substitui ao critério da verdade o da verossimilhança, embora acriticamente. “O "nem-nem" dos céticos é mudado em "e-e" pelos ecléticos; se nada é verdadeiro, tudo vale igualmente.”
              Os céticos são apáticos apenas na aparência da sua filosofia. Na prática são pensadores incansáveis no ataque ao dogmatismo. No período de entre os séc. IV ac. e o séc. II dc. os céticos gregos produziram uma grande quantidade de escritos. Dispomos hoje de um número bastante reduzido de textos provenientes diretamente da tradição cética antiga. Quase tudo o que sabemos é através de obras tardias, tais como: Academica e De Natura Deorum, de Cícero (século I ac),Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, de Diógenes Laércio (século III dc.),e especialmente às obras Hipotiposes Pirrônicas e Adversus Mathematicos, de Sexto Empírico (século I dc.). Sexto Empírico escreveu o primeiro livro sobre o ceticismo pirrônico dando algumas respostas às críticas feitas contra o ceticismo. Ali ele apresenta os famosos “tropos céticos”. Os tropos são modos de argumentar que tem como objetivo levar o oponente à epoché. Neste livro, Sexto Empírico nos fala dos cinco tropos de Agrippa que “têm por alvo as pretensões de demonstração ou justificação da verdade de qualquer proposição dogmática”, os oito tropos de Enesidemos, que “têm por alvo as proposições que dizem respeito as relações causais”, e os dez tropos, também de Enesidemos, que “tratam mais especificamente do conhecimento empírico”. O fim do ceticismo é a prática cética, a epoqué, que segundo os céticos nos levarão à felicidade. Temos aqui o seguinte esquema que ilustra o pensamento de Pirro para esse fim:
Zétesis (busca) -> diaphonia (conflito) -> isosthenia (equipolência) -> epoché (suspensão) ->ataraxia (tranquilidade)

A preocupação moral é fundamental para a filosofia do Helenismo de modo geral, e o Ceticismo compartilha esta preocupação com o Estoicismo e o Epicurismo. A filosofia deve nos dar uma orientação para a vida prática, que nos permita viver bem e alcançar a felicidade. (Marcondes, Danilo – Iniciação à História da Filosofia, 13 Ed. Zahar, pag. 98)

             
Partindo de Heráclito de Éfeso, passando pelo movimento sofista e indo até os céticos, acabamos por delinear sucintamente a trajetória do pensamento relativista na antiguidade. Heráclito foi dogmático com relação ao seu “logos”. Protágoras também demonstrou dogmatismo ao afirmar que o homem é a medida de todas as coisas. Górgias também foi dogmático ao afirmar que nada existe, contudo cético quando completou dizendo que não chegaremos ao conhecimento da verdade, e nem teríamos como transmitir esse conhecimento. Eles não “silenciaram” como Pirro e foram dogmáticos nas suas afirmações que vieram a facilitar a difusão do relativismo e do ceticismo. Sócrates, considerado sofista por alguns, foi quase cético ao dizer que a única coisa que ele sabia era de que nada sabia; seria totalmente cético se dissesse que a única coisa que sabia era a que de nada viria a saber. O relativismo, o ceticismo, e o dogmatismo sempre fizeram parte do senso comum, em geral concebido como o que a maioria das pessoas pensa, mesmo assim existiu um momento histórico em que as suas raízes foram pensadas com profundidade e também registradas. Heráclito é o filósofo antigo que demarcou historicamente o relativismo, a partir do qual vieram outros pensadores simpatizantes, com a mesma idéia de fundo, tal como Protágoras e Górgias representando os sofistas, Pirro e Sexto representando os céticos na Antiguidade. Vivemos hoje numa época de relativismo, ceticismo e desconfiança, onde se percebe cada vez mais que tudo flui conforme revelou Heráclito de Éfeso.

Podemos, efetivamente, dizer de Heráclito o que Sócrates disse: O que ainda nos sobrou de Heráclito é excelente; daquilo que foi perdido para nós, podemos conjeturar que foi da mesma excelente qualidade. Ou, se quisermos ter o destino por tão justo que sempre conserva, para os pósteros, o melhor, então devemos ao menos dizer que aquilo que nos foi transmitido de Heráclito valeu sua conservação. (Hegel, George W. F - Preleções sobre a História da Filosofia)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1) BORNHEIM, Gerd A. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, s. d.
2) KIRK & RAVEN. Os pensadores pré-socráticos. Tradução de Carlos
Alberto Louro Fonseca. Lisboa, F.C. Gulbenkian, 3a edição, 1990.
3) Os Pensadores. Os Pré-socráticos. São Paulo: Abril Cultural, 1973
4) PENEDOS, Álvaro j. dos Penedos, Introdução aos pré-socráticos Ed. Rés 1984
5) PLATÃO. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979
6) KENNY, Antony. Uma Nova História da Filosofia Ocidental vol 1, 2ª ed 2011
7) NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia. São Paulo. Globo. 2005
8) MINIKOVSKY, Cléverson Israel. Heráclito versus Parmênides. Biblioteca 24x7
9) PLATÃO. A República. São Paulo: Hemus, 1970.
10) KERFERD, G. B. O Movimento Sofista. Ed. Loyola. São Paulo. 2003
11) LANDESMAN, Charles. Ceticismo. Ed. Loyola. São Paulo. 2006
12) PEREIRA, Oswald Porchart. Rumo ao Ceticismo. Ed. UNESP. São Paulo. 2006
13) ZELLER, Edward. Sócrates y los Sofistas. Editorial Nova. Buenos Aires.
14) GUTHRIE W. K. C. Os Sofistas. 1ª Ed. Ed. Paulus, 1997

PÁGINAS WEB CONSULTADAS:

http://pt.wikisource.org/wiki/Tao_Te_Ching/I
http://www.afinandoascordas.com/comunidade/phocadownload/livros/carlos_castaneda/Porta%20Para%20O%20Infinito%20-%20Carlos%20Castaneda.pdf