quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sobre "Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade"


No texto Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade[1], Immanuel Kant[2] diverge de Benjamim Constant. Cada qual defende uma forma de agir, através da qual os indivíduos praticariam ações moralmente boas. Kant acredita que os indivíduos nunca teriam direito de mentir, Constant, por outro lado, defende que deveríamos dizer a verdade somente quando os ouvintes tivessem direito a ela.
Para Kant, o erro fundamental de Constant estaria em atribuir ao indivíduo um suposto direito à verdade. Kant discorre que “importa, em primeiro lugar, observar que a expressão ´ter direito à verdade´ é uma palavra sem sentido” (KANT,1797, p. 4). Segundo Kant, a verdade não seria algo subjetivo, que poderia pertencer ou não a determinado indivíduo. Para Kant, o indivíduo teria direito apenas à sua própria veracidade.
Kant segue argumentando que nem mesmo uma mentira bem intencionada deveria ser proferida. Segundo Kant, “a veracidade nas declarações, que não se pode evitar, é o dever formal do homem em relação seja a quem for, por maior que seja a desvantagem que daí decorre para ele ou para outrem” (KANT,1797, p. 4). Conforme Kant, quem mente, mesmo com boa intenção, também seria sempre responsável pelos fatos que, da mentira, depois decorreriam.
Quem, pois, mente, por mais bondosa que possa ser a sua disposição,deve responder pelas consequências, mesmo perante um tribunal civil, e por ela se penitenciar, por mais imprevistas que essas consequências possam também ser; porque a veracidade é um dever que tem de se considerar como a base de todos os deveres a fundar num contrato e cuja lei, quando se lhe permite a mínima excepção, se toma vacilante e inútil. ("Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade" in "A paz perpétua e outros opúsculos", Trad. Artur Morão, ed. Edições 70, Lisboa-Portugal: 1995) 

Para Kant, todo ser racional existiria como um fim em si mesmo, e não deveria ser tratado como um meio. Segundo Kant, o indivíduo que mente trataria as pessoas como meio, e não como fim. Para Kant, o mentiroso atentaria não apenas contra um indivíduo, mas contra a humanidade inteira.
Por conseguinte, a mentira define-se como uma declaração intencionalmente não verdadeira feita a outro homem, e não é preciso acrescentar que ela deve prejudicar outrem, como exigem os juristas para a sua definição [mendacium est falsiloquium in praejudicium alterius]. Efetivamente ela, ao inutilizar a fonte do direito, prejudica sempre outrem, mesmo se não é um homem determinado, mas a humanidade em geral. (_____. Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade in A paz perpétua e outros opúsculos, Trad. Artur Morão, ed. Edições 70, Lisboa-Portugal: 1995) 

Kant leva em conta no seu artigo a questão da mentira, mas não aprofunda o tema da promessa. Prometer não é mentir porque parte de uma intenção “a priori”, sujeita ou não à concretização. Caso uma promessa não venha a se cumprir, dependendo do contexto, não significa que houve mentira. Assim Kant, no texto Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade, acaba deixando entreaberta uma porta aos sofistas.


[1] _____. Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade in A paz perpétua e outros opúsculos, Trad. Artur Morão, ed. Edições 70, Lisboa-Portugal: 1995
[2] Immanuel Kant foi um filósofo prussiano considerado o último grande filósofo dos princípios da era moderna.

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