No
texto Sobre um suposto direito de mentir
por amor à humanidade[1],
Immanuel Kant[2]
diverge
de Benjamim Constant. Cada qual defende uma forma de agir, através da qual os
indivíduos praticariam ações moralmente boas. Kant acredita que os indivíduos
nunca teriam direito de mentir, Constant, por outro lado, defende que
deveríamos dizer a verdade somente quando os ouvintes tivessem direito a ela.
Para
Kant, o erro fundamental de Constant estaria em atribuir ao indivíduo um suposto
direito à verdade. Kant discorre que “importa, em primeiro lugar, observar que
a expressão ´ter direito à verdade´ é uma palavra sem sentido” (KANT,1797, p.
4). Segundo Kant, a verdade não seria algo subjetivo, que poderia pertencer ou
não a determinado indivíduo. Para Kant, o indivíduo teria direito apenas à sua
própria veracidade.
Kant
segue argumentando que nem mesmo uma mentira bem intencionada deveria ser
proferida. Segundo Kant, “a veracidade nas declarações, que não se pode evitar,
é o dever formal do homem em relação seja a quem for, por maior que seja a
desvantagem que daí decorre para ele ou para outrem” (KANT,1797,
p. 4).
Conforme Kant, quem mente, mesmo com boa intenção, também seria sempre
responsável pelos fatos que, da mentira, depois decorreriam.
Quem, pois, mente, por mais bondosa que
possa ser a sua disposição,deve responder pelas consequências, mesmo perante um
tribunal civil, e por ela se penitenciar, por mais imprevistas que essas
consequências possam também ser; porque a veracidade é um dever que tem de se
considerar como a base de todos os deveres a fundar num contrato e cuja lei,
quando se lhe permite a mínima excepção, se toma vacilante e inútil. ("Sobre
um suposto direito de mentir por amor à humanidade" in "A paz perpétua
e outros opúsculos", Trad. Artur
Morão, ed. Edições 70, Lisboa-Portugal: 1995)
Para
Kant, todo ser racional existiria como um fim em si mesmo, e não deveria ser
tratado como um meio. Segundo Kant, o indivíduo que mente trataria as pessoas
como meio, e não como fim. Para Kant, o mentiroso atentaria não apenas contra
um indivíduo, mas contra a humanidade inteira.
Por conseguinte, a mentira
define-se como uma declaração intencionalmente não verdadeira feita a outro
homem, e não é preciso acrescentar que ela deve prejudicar outrem, como exigem
os juristas para a sua definição [mendacium est falsiloquium in praejudicium alterius].
Efetivamente ela, ao inutilizar a fonte do direito, prejudica sempre outrem,
mesmo se não é um homem determinado, mas a humanidade em geral. (_____. Sobre um suposto direito de mentir por amor à
humanidade in A paz perpétua e outros opúsculos,
Trad. Artur Morão, ed. Edições 70, Lisboa-Portugal: 1995)
Kant
leva em conta no seu artigo a questão da mentira, mas não aprofunda o tema da
promessa. Prometer não é mentir porque parte de uma intenção “a priori”,
sujeita ou não à concretização. Caso uma promessa não venha a se cumprir,
dependendo do contexto, não significa que houve mentira. Assim Kant, no texto Sobre um suposto direito de mentir por amor
à humanidade, acaba deixando entreaberta uma porta aos sofistas.
[1] _____.
Sobre um suposto direito de mentir
por amor à humanidade in A paz
perpétua e outros opúsculos, Trad. Artur Morão, ed. Edições 70,
Lisboa-Portugal: 1995
[2] Immanuel Kant foi um filósofo prussiano
considerado o último grande filósofo dos princípios da era moderna.
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