A
origem da filosofia difere da origem do filosofar. Enquanto a primeira busca raízes
históricas que acabam se perdendo nas brumas da mitologia, a segunda procura
respostas no sujeito e na sua relação com o mundo sensível.
A resposta para as perguntas da origem do filosofar pode
ser buscada nos primórdios, quando Platão dizia que a “admiração” é o impulso
inicial de todo o filosofar. Mais adiante, no “mito da caverna” ele dá sinais
do que poderia vir depois da admiração. Segundo Platão, dor e risco são
obstáculos que precisam ser vencidos para os que pretendem sair da caverna.
A admiração é o comportamento desencadeante do filosofar, e
nela se verifica um sentimento de união ao real. É um gesto de confiança. Mas
esse sentimento de união não significa a fusão entre o que admira com o que é
admirado, pois o que caracteriza a admiração é o reconhecimento do outro como o
outro. Com relação à analogia com o mito da caverna de Platão, a admiração é
uma fase pré-filosófica, o homem ainda está nas trevas, apesar da consciência
estar tendida para fora de si, orientada para as sombras. Essa atitude
admirativa por si só não pode suscitar a atividade filosófica.
Para a filosofia é preciso um espírito crítico e
problematização, e o grande obstáculo que impede o sentido da problematização é
o dogmatismo. O dogmático aceita o mundo como é dado e assim sente-se seguro,
se sobrevém uma atitude de dúvida, é apenas com relação a um aspecto da
realidade e não com o todo, como faz o cientista, que nunca põe em dúvida a
totalidade do real, trabalha com as sombras. “Tudo o que de excepcional
aconteça, será como destaque sobre o fundo inabalável do mundo desde sempre
dado...” (BORNHEIM, Gerd A. – Introdução ao Filosofar – pág 57). Husserl chama
essa compreensão do mundo de “tese geral” que tem tríplice dimensão:
gnosiológica, ontológica e axiológica. Em suma elas afirmam que o mundo “não é
uma mentira” e que ele “vale por si mesmo”.
Mas quando o homem por algum motivo, movido por um espírito
crítico, julgar que a realidade e o mundo como um todo perderam o sentido, ele
passa a abandonar a postura dogmática. Ele passa a questionar os fundamentos da
teoria geral, as sombras da caverna, e a si mesmo, sente a “náusea”, a
experiência negativa. O homem começa a sair da caverna, sente a dor da luz. “Quando
um deles é libertado e compelido repentinamente a parar de pé e voltar-se e
caminhar e olhar para a luz, sofrerá penas agudas.”(Platão – República, VII,
515)
Ao enfrentar a luz do sol o homem sofre, tem um sentimento
oposto ao do prazer da admiração. Com medo de ficar cego, chega a negar a luz.
Há o risco de se cair num egocentrismo mórbido, ou niilismo. Mas a dor e o
risco são pressupostos do filosofar.
Para Hegel a ideia de dor sentida pelo homem que vislumbra
a luz vem a ser a segunda peça de um processo dialético. A experiência negativa
contrapõe-se à admiração, como se a admiração (afirmação) fosse a tese, e a
negação fosse a antítese. Da síntese dessas duas surge o verdadeiro filosofar. “Isso
implica em dizer que o processo ascensional da consciência se realiza através
da experiência da negação que deve ser constantemente superada; de negação em
negação o homem atinge a sabedoria.” (BORNHEIM, Gerd A. – Introdução ao
Filosofar, pág 77)
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